Sarah Quines
2 min readOct 26, 2019

Rua abaixo, o horizonte é cortado por uma única árvore. Ela não parece ser muito grande, mas segue naquele lugar há muitos anos. Não sei quantos. Ela tem um formato estranho, os galhos são curvados e parecem formar um semi-círculo. Quando criança, eu gostava de imaginar que ela era um arco-íris. Isso me deixava feliz. Uma pequena percepção que só eu conseguia ver.

Escondido entre a árvore e a rua fica o rio Ibicuí. Mas eu não enxergava o rio da frente de casa. Só a árvore sozinha lá no fundo. Quando eu dobrava a esquina da rua, eu gostava de sentir o barulho das pedras batendo nas rodas do carro. Dava a impressão de que a árvore ficava um pouco mais perto. Eu nunca andei até perto da árvore.

As pedras pequenas, pedaços de cascalho que giravam esmagadas nas quatro rodas do carro batiam nas pedras maiores da rua que até hoje não é asfaltada e de onde até hoje não dá pra ver o Ibicuí. Só a árvore lá no fundo.

Eu não pensava muito nas pedras que rolavam, mal percebia a existência delas. Mas o estalo causado pelo atrito no chão me transportava para a árvore lá adiante. Ouvir o ruído das pedras me leva de volta para aquele cenário do campo verde e monótono a perder de vista, com uma única estrutura inconformada com a superfície rasteira da vegetação e que resolveu se erguer. Ainda que torta.

Poderia ser um desses quadros pintados com uma paisagem bucólica, que acaba pendurado numa parede descascada. Poderia ser uma fotografia postada em rede social com hashtags-e-likes. Mas não poderia ser um registro do barulho da pedra que batia na roda do carro e que levava até à árvore. Tem som que fica na memória. O resto é silêncio.

Sarah Quines

uma leitora canhota que de vez em quando escreve e que fala sobre música no canal Garimpo Sonoro no Youtube