A solidão segundo E.H

Sarah Quines
3 min readMay 16, 2017

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Uma jovem com um corte sidecut no cabelo e piercing no nariz sentada em uma mesa no Starbucks. Ela aguarda chamarem seu nome para buscar o café no balcão enquanto também espera o encontro do aplicativo chegar. Com a cabeça baixa e os ombros curvados, usa o smartphone como muleta, fingindo estar concentrada em se atualizar nas redes sociais para não parecer abandonada. Essa poderia ser a cena de uma pintura de Hopper em 2017?

Automat (1927)

Morto há 50 anos, o artista nova-iorquino deu cores e formas realistas à solidão. Na perspectiva de um observador externo, captou a essência mundana da metrópole no século XX. A sua pintura mais famosa, Nighthawks (1942) — algo como “falcões da noite” em livre tradução — traz quatro pessoas em um restaurante na noite. Ainda assim, é como se cada uma delas estivesse absorvida nos próprios devaneios. Segundo Gail Levin, biógrafo do artista, a inspiração para este quadro teria vindo do conto Os assassinos, de Ernest Hemingway.

Nighthawks (1942)

A melancolia marca presença tanto nos cenários urbanos quanto rurais. Os quadros de Hopper trazem uma história implícita e instigam a imaginação. As janelas, que aparecem em vários deles, banham de luz os seres reclusos. Como um raio de esperança, fazem a conexão com a vida lá fora, e lembram que mesmo os mais introspectivos têm, na verdade, o mundo todo à sua volta.

Morning sun (1952)

Um amante do cinema, Hopper pintava narrativas como cenas de filme. Não por acaso, muitos cineastas se inspiraram na sua obra, como o criador do film noir, Fritz Lang. Já Alfred Hitchcock fez a sua versão de “Casa ao lado da ferrovia” (1925) quando criou o Hotel Bates em Psicose.

House by the railroad (1925)

Hopper foi casado com a também artista Josephine Nivision: a musa que inspirou a maioria das figuras femininas nos quadros dele. Inclusive a mulher que aparece em Nighthawks. Mas a maior inspiração do pintor vinha dos solitários nos cafés e ruas da cidade. O artista gostava da própria companhia, de estar só, e observava aqueles que também se encontravam nessa condição.

New York movie (1939)

Será que os personagens de Hopper eram mais solitários do que nós que estamos tão conectados a tudo e a todos o tempo inteiro? Ou só criamos novas estratégias para fugir de nós mesmos com companhias descartáveis? As obras dele seriam um prenúncio do mal-estar da pós-modernidade, das vidas líquidas que escorrem num vazio sem sentido?

Four Lane Road (1956)

Apesar da melancolia, os solitários de Hopper — cada um sendo a sua própria ilha — trazem consigo algo que só a solidão é capaz de proporcionar. Nas palavras do poeta Ralph Waldo Emerson que o pintor costumava citar: “O grande homem é aquele que, no meio da multidão, mantém com perfeita doçura a independência da solidão”. Talvez seja essa independência que devemos buscar.

A woman in the sun (1961)

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Sarah Quines

uma leitora canhota que de vez em quando escreve e que fala sobre música no canal Garimpo Sonoro no Youtube